segunda-feira, 26 de julho de 2010

Frase para pensar na Fila...

"Viva como se fosse morrer amanhã. Aprenda como se fosse viver para sempre" [Gandhi]

Enquanto você assiste a confusão a respeito do valor da passagem de ônibus em Manaus vá pensando nesta célebre frase de Gandhi,
Ao ler o edital do novo Concurso da SEMED, para Professores e Pedagogos, grande foi a minha surpresa com o valor dos vencimentos. R$ 929,90 por 20h de trabalho.
Pensava eu que a confusão na Prefeitura era apenas fato momentâneo ou quem sabe de alguns setores e que tal desorganização e trapalhada não chegariam à SEMED.
E de repente após a celeuma em relação a supressão da carga horária de História e Geografia do Amazonas no município, meio na calada da noite muda-se o secretário. Por que? coisas do destino... Já que em muitos aspectos a atual gestão é no mínimo nebulosa.
Lembremos que até pouco tempo atrás nossos colegas da SEMED possuíam remuneração um pouco maior do que a do Estado (que na atualidade paga por 20h pouco mais de R$ 1.000,00). Era grande a expectativa pela realização do concurso público para preenchimento do déficit de educadores (e que verdade seja diga não é privilégio apenas de Manaus).
A Pergunta que fica no ar é: um salário assim é atraente?
Alguns economistas logo se apressarão à defender que o vencimento dos professores tem pouco impacto no resultado final da aprendizagem dos alunos. Alguns falarão inclusive o que alguns calhordas pensam baixinho: Professor já ganha muito bem já que nossa educação vai muito mal.
Então para esses (não só os economistas mas há também quem pense desta maneira) menos de dois salários mínimos é mais do que o suficiente.
Outros, também economistas argumentarão que o salário dos professores tem sim impacto (e sejamos francos não é o único muito menos o mais importante) no processo final da aprendizagem dos nossos alunos. Um exemplo claro pode ser a recente divulgação das notas do ENEM. O Estado investe em média por ano R$ 1.400 reais por aluno enquanto a mensalidade, eu disse a mensalidade da escola melhor colocada no Estado custa R$ 1.000 reais.
Então como poderiamos resolver tal querela?
Podemos realizar o seguinte exercício mental: Comparar o salário proposto no edital da SEMED com os valores dos vencimentos dos Professores, com igual carga horária no setor privado. Certamente poucas escolas pagam no setor privado o mesmo valor. Poderiamos também comparar o salário proposto pelo concurso aos professores e pedagogos com outros postos do serviço público com igual nível de escolaridade. Aí meus amigos até você teria pena da diferença. Ou ao final comparariamos o salário proposto com o professor escolhendo outra função no mercado de trabalho. Mesmo assim quem com nível superior ganha menos de dois salários mínimos?
Comparemos os vencimentos propostos para os professores e os outros cargos de nível superior. Leve vantagem a estes últimos.
Então o que podemos concluir desse longo raciocínio a respeito dos vencimentos propostos pelo atual concurso da SEMED?
É mais um descaso com a Educação dos nossos filhos, mais uma humilhação aos nossos colegas educadores e principalmente a continuidade da mesma política (que política?) de Estado da atual gestão.
Alguns colegas mais céticos dizem que a atual gestão da prefeitura é tal qual um pato: Nada, anda, corre mas no final não faz nada direito.
Então qual a saída no fim do túnel (ou da fila para você estudante que vai colocar créditos na sua carteirinha?) aprendamos com o mestre da Paz: "Viva como se fosse morrer amanhã. Aprenda como se fosse viver para sempre" [Gandhi]

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O Amazonas e o ENEM 2009.


No ano de 2009 o Exame Nacional do Ensino Médio avaliou o desempenho de cerca de 36 mil escolas de todo o país. A metodologia adotada na avaliação utiliza-se dos conteúdos chaves do Ensino médio dividido em 4 áreas do conhecimento: Linguagens e seus códigos, Ciências Humanas e suas tecnologias, Ciências da Natureza e Matemática, além de uma redação.
Qual a análise podemos fazer do desempenho do Amazonas no exame nacional?
Temos três das 20 piores do "ranking" nacional em nosso Estado.
Das 20 melhores posições do Estado 16 são escolas particulares, sendo que as escolas consideradas da rede pública (Fundação Nokia e Colégio Militar) adotam processo seletivo de ingresso e este último é considerado da rede federal (junto com o antigo CEFET atual IFAM) que caiu de posição.
Se levarmos em consideração que toda avaliação pode servir de indicativo quantitativo e qualitativo, o ENEM demonstra o que a sociedade já percebeu há anos. As escolas públicas do nosso Estado são deficientes. Isso para dizer o mínimo.
Como professor faço parte deste grande processo que chamamos de educação e me sinto co-responsável pelo fracasso dos nossos alunos da rede pública no exame.
A infra-estrutura de nossas escolas é boa, ampliou-se a quantidade de escolas de tempo integral, mas falta uma ampla revisão tanto do currículo quanto da metodologia utilizadas em nossas escolas, para uma adaptação a esta nova realidade que é o ENEM.
Há defensores e detratores do exame, mas o certo é que ele veio para ficar e serve de indicador ao menos de avanços e retrocessos no nível geral do ensino no país. Logicamente não devemos levar as estatísticas ao "pé da letra" ou Ipsi Letera como diria-se em latim.
Três "atores" do processo educacional deveriam sentar e reavaliar metas e objetivos do ensino no Amazonas:
Professores, pois estes estão na "linha de tiro", com o Estado sem implantação de HTP (o famoso tempo para planejamento de atividades), sem concurso há 7 anos e carga horária dos seus professores com sobrecarga, além da falta de profissionais em determinadas áreas: Química, Física, Matemática por exemplo. Não temos um Plano de Cargos, Carreira e remuneração atraente, nossos salários são infinitamente mais baixos do que outros profissionais graduados e portanto isso gera instabilidade e abandono precoce das carreiras na licenciatura, além da falta do incentivo a reciclagem e formação continuada.
Família, esta afastou-se completamente do processo, pouco presente na maioria dos casos, a comunidade e a família pouco esperam e cobram das escolas públicas e claro, apesar de algumas exceções, muitos pais não prestigiam o desenvolvimento de seus filhos, alguns não conhecem os professores e equipe técnica que trabalham na escola dos seus filhos e isso demonstra que um dos pilares do processo educacional não tem voz ativa pra corrigir descaminhos do ensino. O Ensino deve ser articulado com seus três pilares.
O Estado, último e talvez a pilastra que pode sustentar as demais, tem papel relevante nos resultados pois a ausência de políticas públicas, a não discussão acerca de um currículo que supra as necessidades regionais e nacionais e a falta de compromisso com a melhoria do desempenho geral das escolas públicas demonstra que os investimentos (e não são poucos já que o Estado investe pelo menos 25% de suas verbas em Educação) são meramente alocados como investimentos ou pior ainda gastos governamentais.
Precisamos de um Fórum para a educação no Amazonas, onde Professores, o seu sindicato, a sociedade civil e o Estado dialoguem em cima dos dados do ENEM e possam traçar políticas de médio e longo prazo de melhoria, se não no desempenho do exame, na qualidade do ensino ofertado aos nossos alunos.

terça-feira, 13 de julho de 2010

"Minha família toda vai votar na Dilma" Réplica à Bia.


Esta foi a resposta que escrevi para a Beatriz Abreu (mais conhecida no movimento estudantil como Bia).

Olá, Bia :-)
Ao contrário de você eu cresci vendo aquele homem barbado com cara de bonachão e que na campanha de 1989 a mídia colocava como o "espectro comunista" que rondava o país. Eu tinha medo do Lula quando era criança. Seja pela voz rouca, pelo defeito físico e pela caricatura do homem comuna de esquerda radical das greves do ABC.
Cresci em um lar onde a maioria é avessa à política, se identificam mais com um programa anarquista do que com a esquerda ou a direta.
Meus tios e tias, além da minha mãe acompanharam com descrédito a primeira eleição do Lula e a ascenção do PT ao governo.
Quando me filiei as fileiras da UJS e do PCdoB nunca ouvi uma palavra de reprovação ou apoio. Somos enquanto família, céticos ou como dizem os católicos "sou igual São Tomé, só acredito vendo".
E a desconfiança foi se dissipando, e mesmo todos aqui em casa detestando o PT (e minha mãe ainda achando que ele é comunista) os avanços no governo Lula foram inegáveis e incontestes.
Hoje posso então concordar com você. Minha família vota na Dilma, não pelo PT ou por simpatia ao Lula. Vota pois compara com a política tucana e sabemos o que é bom.
Então É Dilma para ampliar as conquistas e reparar os equívocos da gestão passada.
Parafraseando o Sarafa "peça mais um voto" e a gente avança.
Em outubro faremos bonito provaremos que somos companheiros (do latim cumpanis, aquele que partilha o pão) elegeremos Eron, Vanessa e Dilma. Pois como diz o camarada Eron "O povo sabe o que é bom".

"Minha família toda vai votar na Dilma"

Este texto foi escrito pela minha irmã Beatriz Abreu*

Quando eu era criança, e ainda nem entendia o que era política, simpatizei com a foto de um homem barbado que via num banner na casa do vizinho, depois de um tempo e mais crescida descobri que o homem se chamava Lula, e como a gente costuma dizer “fui com a cara dele”. Fui mesmo! Filiei-me à UJS (União da Juventude Socialista), sonho com um Brasil melhor, voto no Lula desde sempre, pedi muito aos meus pais que votassem nele e insistia, eles votaram e hoje tudo faz sentido.

Lendo o artigo Minha mãe não vai votar na Dilma, da Eleonora Rigotti, resolvi perguntar aos meus pais em quem eles iriam votar, só por desencargo de consciência. Nenhuma surpresa,constatei que ambos votarão em Dilma.

De minha mãe que faz parte dos milhões de brasileiros que desde cedo cumpriram a jornada de trabalho durante o dia e estudos à noite, que viu a primeira geração de filhos ingressando numa universidade pública e que vai se aposentar com direito a reajuste, ouvi: “Com toda certeza, meu voto é da Dilma” e com meu pai não foi diferente. “Sou Dilma, desde criancinha, sem pestanejar”. Saído do Ceará para o Amazonas em busca de melhores condições de vida, para ele este governo representou tempo de conquistas em diversos setores a partir da estabilidade e do desenvolvimento econômico, de voltar aos bancos da escola para concluir os estudos, crescer e prosperar.

Por isso toda minha família vai votar na Dilma e não é segredo. Entendemos que é preciso seguir com as mudanças, manter o Brasil governado para todos os brasileiros, diminuindo as desigualdades entre as pessoas, as distâncias e aumentar as oportunidades. São tempos em que brasileiros empoderados, passam a ser senhores de seus dias e isso pode estar escrito de várias maneiras, mas pessoas como meus pais dão nome certo: esperança.

Dilma não nos conhece, mas como milhões de brasileiros acreditamos que ela não só irá continuar o desenvolvimento trilhado por Lula, mas irá aprofundar as conquistas e mudanças que o Brasil precisa.Não se trata apenas de empatia, mas do futuro do Brasil e dos brasileiros!


*Beatriz Calheiro estudante de Licenciatura em Historia da Universidade Federal do Amazonas-UFAM, presidente da UJS Manaus e integrante do Centro e Circuito Universitário de Cultura e Arte(CUCA) da UNE.

sábado, 10 de julho de 2010

Charges, Dilma e a grosseria da Mídia II

Mostrar a candidata Dilma como a "puta" demonstra o medo histérico que os setores mais sectários das elites deixam aflorar a partir da mídia e de seus trovadores em tempo: blogs, internet e jornais escritos e falados.
A representação na charge não poderia ser mais adequada ao momento político atual. A charge coloca a candidata Dilma como a meretriz, despudorada e promíscua.
Uma representação necessariamente não tem ligação com o real, afinal no caso acima todos sabem que Dilma não é puta, Lula não é seu rufião e o PT não é um cabaré. Porém esta esconde o verdadeiro tema de seus traços.
Por que a imagem choca? Choca pois nos traços e no humor negro as idéias afloram e o preconceito também. Demonstra o grande medo do pequeno burguês de passar mais alguns anos sem mamar nas tetas do governo. Demonstra a própria concepção que a mídia e seu patrocinadores tem em relação ao papel social da mulher como promíscua e perigosa, a que precisa ser "domada" e "domesticada"
A Dilma na charge não representa as mulheres, a política ou o governo, representa o populacho, o povão que deve ser controlado de modo policialesco. Remete a velha tática política de que os problemas sociais são um caso de polícia.
O povo merece o mesmo tratamento da "puta", mas os nobres e respeitados senhores que de dia recriminam a meretriz, a noite a procuram e precisam dos seus carinhos. É o retrato fiel de como os setores dominantes vêem o Estado e a política de uma forma geral.
É a infeliz tentativa de ridicularizar os representantes das camadas menos favorecidas que veêm no governo Lula avanços que jamais tivemos em tempos de democracia.
Posso evidentemente estar equivocado em meus julgamentos e o infeliz cartunista ser apenas um machista que pensa a política e as mulheres como espaços públicos e promíscuos. Espero que o cidadão viva para ver a vitória de Dilma em outubro. E que antes disso se desculpe com as mulheres.
Como homem e mesmo não sendo autor do desenho hoje peço desculpa as companheiras mulheres. Minhas queridas tentem fazer como Jesus disse: "Pai perdoai, pois eles não sabem o que fazem."

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Charges, Dilma e a grosseria da Mídia.


Se você não teve a oportunidade de ler o blog de Josias de Souza, caro amigo (a) tire um pouco do seu tempo e click no link abaixo:
http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/arch2010-07-01_2010-07-31.html

Lá você irá encontrar uma Charge atribuída a Nani que deprecia imensamente a imagem das mulheres.
Não sou mulher porém como historiador sinto-me na obrigação de tomar partido e de sabre na mão ir ao combate. Não que as mulheres do nosso país sejam frágeis, porém como cidadão e defensor da isonomia não consigo aceitar calado um desrespeito deste porte as mulheres.
Que a mídia ataca os candidatos (seja Dilma, seja Serra ou Marina) estamos mais ou menos habituados, entretanto não devemos nos calar quando o sexismo toma conta do discurso político.
É o medo de que? De Dilma? do PT? ou de assumir publicamente um lado na disputa???
Nunca fui fã de humor negro e acho que estou ficando velho e chato, pois não achei engraçado.
Fico triste quando saímos do campo das idéias e atravessamos para as querelas pessoais.
Estamos próximos de outro fato histórico e a campanha da mídia demonstra esse fato.
Nosso país com Dilma na presidência ou não tem que dar mais um passo e enterrar de vez o machismo, o preconceito e a estupidez com o outro.

Tentando manter um Blog.

Difícil tarefa de manter um espaço com conteúdo profícuo na internet. Eu como professor e tentando ser historiador, logicamente não escapo das clivagens próprias de quem assiste o espetáculo da vida a partir da ótica de clio.
Espero conseguir postar textos interessantes e que consiga neles expressar meus sentimentos.

A História cultural como prática e método de pesquisa.

A historiografia regional da Amazônia do início do século XX é marcada consideravelmente pela influência tardia do chamado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o que pode ser observado nos traços das obras de alguns célebres representantes desta matriz historiográfica com fortes concepções positivistas.

Geraldo Coelho, na obra História e Identidade Cultural na Amazôniaafirma que: (...) a historiografia que se produziu até recentemente, seguiu bem de perto o modelo oitocentista criado pelo Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. Pesquisadores e historiadores regionais, ou autodidatas ou formados em áreas do saber que não a história, seguiram os passos dos pais fundadores da historiografia brasileira contemporânea" (p. 182).

Em relação a chamada historiografia brasileira contemporânea, Davi Leal, em artigo recente destaca que a partir da década de 1970 esta passa por profundas transformações por conta do aumento da produção acadêmica e da influência de novos pressupostos teóricos e metodológicos (Leal, p. 218).

Pesavento (1995) afirma que a história apresenta-se como uma possibilidade entre outras de captar o passado. Em termos de análises teórico-metodológicos compreendemos que a História vive hoje uma forte influência por parte da chamada Nova História Cultural.

Esta história cultural, segundo Pesavento (1995) pode ser entendida como um desdobramento da história social e esta última é apresentada como herdeira da tradição historiográfica inglesa (principalmente Thompson e Chirstopher Hill), francesa (com o grupo da Nova História com Roger Chartier, Jacques Lê Goff entre outros).

Pesavento (1995) alerta ainda que o elemento catalisador do pensamento contemporâneo são os debates em torno da chamada história cultural, principalmente os relacionados ao sistema de idéias-imagens que dão suporte ao imaginário social.A autora entende a história cultural como uma nova abordagem ou um novo olhar que se apóia sobre análises já realizadas.

Retomando o pensamento de Davi Leal (2007) a respeito da historiografia regional na Amazônia observamos que o autor afirma existir nesta que o mesmo denomina de "Nova Historiografia" novos conceitos e a reformulação de velhos termos. Segundo Leal (2007): "Os estudos que aproximam a história da antropologia se mostraram profícuos, o conceito de cultura, cultura popular, circularidade cultural, a percepção da resistência para além dos aspectos físicos, mas englobando o nível simbólico, permitiram ao historiador explorar novos objetos de pesquisa" (p. 219).

Pesavento (1995) afirma que a tarefa do historiador é justamente utilizar-se de conceitos como instrumento para interrogar o mundo. Esta nova postura do historiador coloca a cultura como uma “instância central” na medida em que a partir desta nova tendência historiográfica a cultura aborda os sistemas de idéias, símbolos e imagens de representação coletiva. Este conjunto é denominado por Pesavento como “imaginário social” (p. 280).

“(...) a tarefa do historiador seria captar a pluralidade dos sentidos e resgatar a construção de significados que preside o que se chamaria de ‘representação do mundo’” (Pesavento, 1995: p. 280)

História, Natureza e Paisagem.

Este texto foi elaborado em parceria com a historiadora Andreza Bianca Silva. Refere-se a notas de estudo de caso da disciplina História, Política, Instituições e Praticas Sociais do Mestrado de História da UFAM.

KEITH THOMAS

A análise de Keith Thomas sobre a relação homem e o mundo natural, tem como ponto de partida os fundamentos teológicos que embasam essa relação. Segundo o autor, a visão tradicional inglesa no tempo dos Tudor e Stuart, era de que a natureza estava subordinada ao homem, sendo que essa relação de subordinação estava pautada no posicionamento de filósofos clássicos e na Bíblia.

Na visão teológica, no momento da criação a relação entre os homens e os animais era pacífica e somente com o pecado original o homem teria perdido o direito de exercer domínio fácil sobre as outras criaturas. Mas, o homem, não teria perdido o direito de dominar a natureza. Então, o discurso teológico foi usado para justificar a autoridade humana sobre o meio natural.

A ciência moderna teria vindo devolver o domínio perdido na criação. O iluminismo teria tornado essa proposição o tema central. Logo, a ciência tinha caráter pragmático e utilitário, o domínio humano sobre o natural. Esse tratamento está embasado na diferença existente entre a humanidade e as outras formas de vida. As capacidades distintivas do homem é a fala, a razão e a livre ação conduzida pela religião. Os homens possuem consciência religiosa.

A fronteira entre o homem e o meio natural é construída a partir de artifícios humanos como moral e religião. A singularidade humana já era de acordo com Thomas, algo defendido desde a antiguidade, de forma polarizada. Esse pensamento foi sistematizado por Descartes, o qual dizia que somente o homem combina tempo, matéria e intelecto. Para Descartes os animais não tinham alma, suas ações eram mecânicas. Visão que antecipou a psicologia mecânica.

Essa separação é estabelecida também pela educação, na qual se busca por meio da “civilidade” e refinamento “elevar os homens acima dos animais”. Os manuais de comportamento como os de Erasmo serviram para construir de forma bem nítida o que é o comportamento humano em distinção aos animais. Além de manter a polaridade existente, para que o limite entre o homem e a criação animal não fosse obstruído. Quem não se enquadrasse nessa lógica, ou seja, não possuísse essência humana era tido como “sub-humano” ou “semi-animal”. A fronteira estabelecida tinha como intuito justificar as ações do homem sobre a natureza.

KAREN LISBOA

O texto de Lisboa toma a obra dos naturalistas Spix e Martius a partir dos preceitos da História Natural, presente no relato da expedição científica pelo Brasil (1817-1820). Segundo a autora o tratamento científico dos objetos naturais é sobreposto a uma discussão “poética da paisagem brasileira”.

Lisboa assinala que a expedição dos naturalistas bávaros Spix e Martius, motivada por missões científicas tinha como mote o estudo da natureza.

O artigo de Lisboa traça duas questões: primeiramente demonstrar a visão de natureza de Spix e Martius, a partir de seus relatos de viagem, posteriormente pretende identificar as bases do ‘projeto civilizatório’ elaborado para a nação.

Segundo a autora o relato dos viajantes deveria coletar informações para: “esclarecer o estado de civilização e história, tanto dos aborígenes como dos outros habitantes do Brasil.” (Lisboa, 1995, p. 77).

A autora afirma ainda que a narrativa constrói-se a partir do deslocamento geográfico e na abrangência dos temas abordados (devido ao que Lisboa denomina de olhar errante) a natureza, portanto, se revela como um dos focos principais de observação.

A natureza dos trópicos era um objeto da pesquisa científica que para Lisboa os naturalistas analisavam mediante sua formação cultural e pelo olhar da História Cultural.

Segundo Lisboa a relação dos autores com a natureza não se reduz ao que se denomina de “taxonomia iluminista e o ávido coletivismo”. Segundo a autora, a observação da natureza é vertida de sentimentos.

A forma de tratar a natureza brasileira lembra Alexander Von Humboldt e Goethe, baseado numa concepção organicista da natureza.A natureza como objeto da ciência torna-se para Martius, semelhante a uma obra de arte.: “Neste sentido pode-se inferir que a descrição do mundo natural passa por uma estetização construída pelo olhar sensível do explorador”. (Lisboa 1995, p. 80)

Lisboa refere-se a Humboldt ao aludir ao tratamento estético dos objetos naturalistas, pois segundo a autora qualquer representação da natureza era um ‘quadro da natureza’”.

A estetização naturalista da Viagem pelo Brasil permite entrever as várias maneiras de sentir o mundo natural. Essas experiências emprestam forma e conteúdo às diferentes paisagens (...) A territorialidade de um Brasil tropical é criada neste espectro de imagens, onde a natureza é interpretada por ambientes paradisíacos e infernais (Lisboa, 1995, p, 81).

Lisboa afirma que o homem representa a lei para a transformação o que possibilita a sua dominação e superioridade do espírito e da mente sob os demais elementos da natureza.

Segundo a autora, Spix e Martius compreendem o processo de civilização como o desenvolvimento da história do homem em cultura, o que consequentemente destrói a vida primitiva das plantas e animais. Ainda segundo Lisboa, esse processo tem o poder de transformar a superfície da terra.

“(...) para Spix e Martius, o grau de dominação do homem sobre a natureza, grosso modo, denota seu estado civilizatório” (Lisboa, 1995, p. 86).

A concepção de natureza engloba o homem e desdobra-se em teorias raciais, emprestando ao europeu a superioridade em relação ao negro e ao índio.

HERMETES REIS ARAÚJO

O Artigo de Hermetes Araújo discute o que o autor denomina de permanência de uma idéia clacissista de natureza no Brasil durante o século XIX.

O autor chama atenção para um movimento de renovação cultural ocorrido a partir dos anos de 1860 e 1870 que se caracterizou no Brasil como o surgimento de uma mentalidade reformista. Entretanto segundo Hermetes Araújo este movimento de renovação cultural não significou uma mudança da idéia de natureza entre a elite cultural e política.

Nas palavras de Hermetes Araújo:

’Ciência’, ‘raça’ e ‘civilização formaram um conjunto de crenças e valores filosóficos que marcou a obra de intelectuais, políticos e literatos, cujo pensamento, naquilo que se refere a uma crítica em profundidade da realidade nacional, alcançou grande repercussão até a década de 1920” (p. 152)

Prevalece no final do século XIX, segundo Hermetes Araújo uma visão de natureza que evoca uma fecundidade divina da terra, que lembrava as idéias fisiocráticas do século XVIII, em virtude do que o autor chama de “vocação agrária” do Brasil.

Essa concepção da natureza transpassada pela visão de fecundidade divina, no caso do Brasil, era preciso segundo Hermestes Araújo, apenas fazer uma boa gestão dos recursos ou das chamadas forças naturais. Como Araújo afirma: “No caso do Brasil, tratava-se da boa gestão da natureza por meio do extrativismo e da agricultura.” (p. 152).

Hermetes Araújo afirma que a partir das descobertas científicas da mecânica clássica o homem podia remontar as forças que possibilitavam a produção. Segundo o próprio autor, o mundo como motor não elimina a idéia de uma natureza portadora de uma fecundidade infinita, mas o homem pode recriar essas forças diminuindo sua dependência.

Esse domínio da força motriz segundo o autor:

(...) forjou na literatura, notadamente no Romantismo, e em especial no Naturalismo, uma imagem do homem e do mundo impregnado de uma concepção histórica, deslocando-o da imutabilidade como eram concebidos na representação clássica para uma temporalidade genética e evolutiva. (p. 154).

No Brasil, segundo Hermetes Araújo, o progresso estava baseado na idéia de gestão das forças naturais, existindo no interior da sociedade uma concepção religiosa e qualitativa de uma natureza mecânica que ainda se pautava numa idéia de que o progresso poderia acontecer mesmo com uma natureza cíclica e trágica, que o autor denomina de “hibridismo entre concepção de natureza e progresso”.

Para analisar a mudança da visão do que o autor analisa como fisiocracia brasileira à termodinâmica, o autor busca compreensão dos fatos a partir da biografia do engenheiro André Rebouças, que segundo Hermetes Araújo, talvez tenha sido o primeiro homem negro do mundo a possuir um diploma de engenheiro.

Segundo o autor, suas atividades foram bastante diversificadas, sendo adepto de um fervoroso progresso técnico e de um cosmopolitismo liberal.

Segundo Hermetes Araújo: “Para Rebouças, a ação racional do engenheiro não era aquela fé dedutiva do positivismo. (...) possuía uma visão demiúrgica da engenharia moderna.” (p. 159)

Ao final do texto, o autor analisa a expansão da economia cafeeira como uma nova fase econômica, política, social, empresarial e tecnológica. Nesta época segundo Hermetes Araújo a ciência e a tecnologia começaram a vencer as resistências impostas pelo território, a partir dos conhecimentos produzidos por expedições científicas e de exploração, formada por brasileiros e estrangeiros.

COMENTÁRIO.

A Obra de Karen Lisboa, Viagens pelo Brasil de Spix e Martius: Quadros de Natureza e Esboços de uma Civilização e a de Hermetes Reis de Araújo, Da Mecânica ao Motor: a Idéia de Natureza no Brasil no final do século XIX, demonstram similitude ao se reportarem ao discurso de necessidade de dominação da natureza e vislumbrarem no século XIX projeções civilizadoras para o Brasil.

Em determinada passagem ao se referir ao período vivido por André Rebouças, Hermetes Araújo analisa de certo modo a cultura brasileira, como caracterizada pela lenta transição do imaginário da vocação agrária para a afirmação do progresso científico, da indústria, e do trabalho livre. (2001, p. 160)

Karen Lisboa (1995) ao analisar a obra de Spix e Martius observa a presença de um discurso que liga a miscigenação ao progresso civilizatório no Brasil quando afirma: “A idéia da miscigenação como propulsora do processo civilizatório esboçada na Viagem pelo Brasil acaba por adquirir relevância no meio dos pensadores brasileiros (...) Martius reitera que a mistura de raças é uma vereda segura para a civilização.” (p. 88)

Ao se referir a uma renovação cultural brasileira no período de 1860 e 1870, Hermetes Araújo afirma a ligação direta entre ciência, raça e civilização, tal qual exposta acima na obra de Lisboa.

’Ciência’, ‘raça’ e ‘civilização formaram um conjunto de crenças e valores filosóficos que marcou a obra de intelectuais, políticos e literatos, cujo pensamento, naquilo que se refere a uma crítica em profundidade da realidade nacional, alcançou grande repercussão até a década de 1920” (p. 152)

Hermetes Araújo ao aludir ao que denomina de fisiocratismo brasileiro afirma que permanecia na classe senhorial brasileira, uma concepção religiosa e qualitativa sobra a natureza, como podemos observar: “A permanência, na sociedade senhorial brasileira, de uma concepção religiosa e qualitativa no seio de uma natureza mecânica e quantitativa não significou obstáculo à crença de que o país poderia progredir (...)” (p. 156).

Karen Lisboa ao se referir ao foco do mundo natural e sua relação com o homem afirma que: “(...) na concepção de Spix e Martius, a natureza é incompreensível sem o homem, pois é ele a maior obra da Criação da Terra. Para ele convergem todos os outros seres (...)” (p. 85)

Na obra O Homem e o Mundo Natural de Keith Thomas o autor explicita a existência de um discurso de supremacia do homem sobre a natureza a partir de uma concepção teológica: “Na Inglaterra dos períodos Tudor e Stuart, a visão tradicional era que o mundo fora criado para o bem do homem e as outras espécies deviam se subordinar a seus desejos e necessidades.” (p. 21) E mais a frente: “A autoridade humana sobre o mundo animal era, assim, virtualmente ilimitada”. (p. 26).

Keith Thomas afirma que na época acima descrita a teologia fornecia os alicerces morais do predomínio do homem sobre a natureza. (p. 27).

Ao se referir a chamada Civilização Humana, Keith Thomas afirma que esta: “(...) era uma expressão virtual sinônima da conquista da natureza. O mundo vegetal sempre foi fonte de alimento e de combustível; o Ocidente, por esta época, caracterizava-se por sua dependência excepcionalmente alta dos recursos naturais (...)” (p. 31)

Ao se referir ao ideário de progresso, Hermetes Araújo afirma que: “(...) apesar da introdução de um ideário de progresso, atribuindo exclusivamente à ação dos homens a fabricação do seu próprio mundo, no Brasil da segunda metade do século XIX a natureza ainda era pensada à maneira da época clássica.” (p. 156).

Ao falar dos propósitos da ciência, Thomas afirma que o fim da ciência era devolver ao homem o domínio sobre a criação que ele perdera. Segundo Thomas: “Para os cientistas formados nesta tradição, todo o propósito de estudar o mundo natural se resumia em que ‘a Natureza, desde de que conhecida, será dominada, gerida e utilizada a serviço da vida humana’”. (p. 32). Nesse sentido é que se orientavam as pesquisas sobre História Natural.

Karen Lisboa ao se referir aos objetivos dos viajantes Spix e Martius também se refere a chamada História Natural e os progressos das ciência:

A maneira de perceber e observar o mundo natural mediava-se por sua formação cultural (...) a natureza dos trópicos era um objeto de obstinada pesquisa científica, que deveria ser dissecado sistematicamente pelo olhar da História Natural. (p. 78).

Em outro trecho Lisboa afirma que os preceitos da História Natural visavam ocupar-se de toda a natureza e a taxonomia dava margem para a reflexão filosófica onde: “(...) o grau de dominação do homem sobre a natureza, grosso modo, denota o seu estado civilizatório”. (p. 86)

Acerca da produção científica Hermetes Araújo destaca uma série de avanços na mecânica e termodinâmica que segundo ele: “(...) produzia em escala crescente aquilo que, em épocas anteriores, somente se encontrava já formado na natureza.” (p. 153). Demonstra assim que os avanços científicos da época fornecem a possibilidade de supremacia do homem sobre a natureza.

Hermetes Araújo ao se referir ao motor afirma que:

O mundo como motor não elimina a idéia de uma natureza portadora de uma fecundidade infinita. No sistema mecânico, a natureza é fecunda porque a força motriz já está dada, (...) Na termodinâmica, as fontes existentes para a produção de energia são também consideradas inesgotáveis, mas não se trata apenas de forças a serem domesticadas e, sim, de forças a ser produzida numa natureza transformada em reservatório.” (p. 154).

Keith Thomas afirma que as dissertações eruditas do período analisado em sua obra, tinham o objetivo a distinção central entre homens e animais, sendo tentativas de restringir os aspectos animais da natureza humana. (p. 43).

O autor afirma:

“Ao traçar uma sólida linha divisória entre o homem e os animais, o principal propósito dos pensadores do início do período moderno era justificar a caça, a domesticação, o hábito de comer carne (...) Mas essa insistência tão grande em distinguir o humano do animal também teve conseqüências importantes para as relações entre os homens. Com efeito, se a essência da humanidade era definida como consistindo em alguma qualidade específica, seguia-se então que qualquer homem que não demonstrasse tal qualidade seria sub-humano ou semi-animal. (Thomas, p. 49).

Segundo Thomas os séculos XVII e XVIII ouviram discursos sobre a natureza animal dos negros e os índios americanos eram descritos de forma semelhante como podemos notar na passagem abaixo:

Os séculos XVII e XVIII ouviram muitos discursos sobre a natureza animal dos negros, sobre sua sexualidade animalesca e sua natureza brutal. De modo geral, os índios americanos não eram vistos dessa forma, mas, às vezes também eram descritos em linguagem semelhante. (p. 50).

Essa concepção para Keith Thomas legitimava os maus-tratos aqueles que supostamente viviam em condição animal. A ética da dominação humana removia os animais da esfera de preocupações do homem. O autor esclarece ainda: “Mas colônias, a escravidão (...) constituía uma das formas de tratar os homens vistos como bestiais (...)”

Karen Lisboa ao se referir a visão de perfectibilidade dos homens, declarado no relato de viagem de Spix e Martius afirma que estes ao se referirem a idéia de perfectibilidade civilizatória, preocupam-se em esclarecer a suposta decadência dos índios, baseando suas afirmações no que a autora afirmar ser um racismo transparente que embasa a miscigenação racial.

Segundo Karen Lisboa: “Spix e Martius procuram responder às indagações armando-se dos pressupostos da História Natural: ao lado de‘muitos outros seres da natureza’ os índios americanos estão ‘destinados a decompor-se” (p. 87)

Mais a frente a autora esclarece:

(...)O europeu, ou seja, o homem da raça caucásica – dotado de um ‘desenvolvimento superior dos órgãos e forças intelectuais’- deveria sobrepor-se ‘de modo todo específico, tanto somática como psiquicamente’ ao negro (raça etiópica) e ao índio (raça americana). (p. 87)

Os horrores da mídia.

Curiosa a atenção destinada pela mídia ao caso do goleiro Bruno. Cobertura aliás que vem ofuscando outros acontecimentos do mundo político e social.
Natural pois trata-se de figura pública e o crime ao que parece possui requintes de crueldade. O que desperta significativamente a minha atenção são as postagens das chamadas "redes sociais".
Orkut, Twitter, Facebook dão a ampla liberdade que as ferramentas da internet possibilitam para que cada um fale o que pensa, ou o que no chamado "mundo real" poucos ousariam sequer balbuciar.
Assistimos um festival de comunidades que "nascem" para o entretenimento ou para colocar mais um palhaço no picadeiro.Triste, lamentável, simplesmente ridícula a piada do Casseta & Planeta sobre as UPP no Flamengo (depois o Galvão Bueno que deve calar a boca?).
Pensam tais pessoas que atingem a imagem já maculada do goleiro? talvez uma forma coletiva de histeria? ou simples embrutecimento do mundo contemporâneo?
Há algo de hediondo no crime e na forma como lidamos com as notícias.
A barbárie foi retomada e sofreu um "upgrade" recebeu roupagem nova, não é mais da natureza "selvagem" dos "incivilizados". Parafraseando Bauman ela viaja leve com celular e laptop na mão.
Meus sentimentos a moça que faleceu. Que a justiça seja feita e que nossas neuroses continuem presas no fundo de nossas almas, para o bem de todos.